Aquisição de frigoríficos por chineses – aspectos estratégicos e jurídicos
Todos esperam que os chineses comprem muitos alimentos do Brasil em 2020, e que façam aquisições de empresas na área de carne e cereais.
Replico aqui uma tripa de comentários do Adam Townsend que fala dessa mesma situação, mas em relação aos EUA. Acredito que a situação lá, que já está um pouco mais avançada, possa ajudar a entender o que vai acontecer aqui.
A “thread” foi originalmente publicada no Twitter (@adamscrabble), em inglês. Fiz alguns comentários e adaptações
@adamscrabble – Feb 19, 2019
- Apenas 11% das terras chinesas são agricultáveis. A maior parte de sua tremenda massa terrestre não é arável, pois degradada pela erosão, salinização, acidificação, efluente industrial, esgoto, excesso de produtos químicos agrícolas e pelo escoamento de minas
- Os rios chineses estão secando pois as demanda das fazendas e das fábricas os esgotaram. Dos que restam, 75% estão severamente poluídos e mais de um terço deles é tão tóxico que não pode ser usado para irrigar fazendas. Agora, é preciso falar sobre alimentos.
- As autoridades chinesas incentivaram as empresas a obter maior controle sobre toda a cadeia de suprimentos de produtos agrícolas que são importados.
- Agora os Estados Unidos entram na história. Os recursos hídricos médios anuais da China são inferiores a 2.200 metros cúbicos per capita. Os Estados Unidos, pelo contrário, têm cerca de 9.400 metros cúbicos de água por pessoa. Os EUA também têm seis vezes mais terras aráveis per capita.
- Em relação à carne suína: os chineses atualmente consomem 40 kg per capita por ano (os americanos comem 27 kg).
- Os chinese produzem e consomem metade da carne de porco do mundo, então, quando há flutuações em sua produção doméstica – mesmo pequenas – isso pode realmente gerar aumento na demanda por importações.
- Para atender à demanda crescente, as fazendas de suínos da China cresceram e se multiplicaram, e mais da metade dos porcos do mundo agora são criados lá.
Nota minha: cabe lembrar que, entre 2018 e 2019, um terço do rebanho suíno da China foi sacrificado devido a doenças.
- Mas, mesmo levando em conta o tamanho da produção chinesa, ela não consegue acompanhar a demanda.
- As exportações americanas de carne suína para a China passaram de cerca de 57.000 toneladas métricas em 2003 para mais de 2,31 milhões de toneladas métrica em 2016. Ou seja, USD 5,94 bilhões.
- É mais barato produzir carne de porco nos EUA do que na China.
- Os EUA produzem carne suína a USD 1,25 por quilo, contra USD 1,50 por quilo nas novas fazendas industriais de suínos da China.
- A principal diferença é o custo da alimentação. Os produtores de suínos dos EUA gastam cerca de 25% menos em ração do que os chineses.
- Nesse contexto, a China decidiu eliminar o intermediário. Em vez de comprar comida de agricultores que trabalham suas próprias terras, os chineses querem comprar e operar essas fazendas americanas – assim como os celeiros e frigoríficos.
- Em 2013, a Shaunghui, uma empresa chinesa de processamento de carne, comprou a Smithfield por 30% a mais do que o valor de mercado. Foi a maior compra de uma empresa americana por uma empresa chinesa e a primeira aquisição de uma grande empresa americana de alimentos por uma empresa chinesa.
- O Departamento do Tesouro dos EUApermitiu que a compra prosseguisse após garantias do CEO da Smithfield, o senhor Larry Pope, de que não havia conexão entre Shaunghui e o governo chinês. Um ano depois, descobriu-se que o governo chinês tinha uma conexão com Shaunghui.
Nota minha: hoje, no dia 08 de janeiro de 2020, China tornou público que o Partido Comunista terá ingerência direta e soberana sobre as empresas estatais (link).
- Ou seja, a Shaunghui ajudou o Partido Comunista da China a atingir a meta de controlar toda a cadeia de produção de carne suína, sob condições de menor distância geográfica possível entre a produção suína dos EUA e o mercado chinês.
- A ChemChina, uma empresa do Partido Comunista da China, comprou recentemente a Syngenta, uma empresa agroquímica suíça, por 43 bilhões de dólares, e isso cria uma base importante na produção de alimentos para animais.
Nota minha: o gráfico abaixo mostra o aumento de investimentos chineses em produção agrícola e pesca nos últimos anos.
- O estado de Iowa, nos EUA, proibiu a venda de terras rurais para estrangeiros, a fim de impedir o crescimento desmesurado da produção.
Qual a lição para o Brasil?
a) o Brasil já restringe a aquisição de terras por estrangeiros (embora isso seja contornável, de certa forma, por meio de contratos especiais);
b) o que o Brasil deve observar é o aumento de aquisições chinesas em toda a cadeia de produção suína. Ou seja, englobando não só os frigoríficos, mas também as fazendas (dentro dos limites legais) e as empresas produtoras de ração;
c) As autoridades brasileiras não têm o costume de vetar aquisições feitas por empresas estatais ou semiestatais chinesas. Todavia, qualquer aquisição de grande porte deve considerar esta possibilidade, principamente agora que o controle dessas empresas está ostensivamente nas mãos de comitês do Partido Comunista Chinês (link).