Apresentamos a seguir alguns guias e publicações preparados pelo escritório.
GUERRA COMERCIAL PELA VACINA – A VITÓRIA DISCRETA DO BRASIL
No início da pandemia, o Brasil levou uma surra. Não conseguiu comprar da China todos os respiradores e equipamentos que queria. Os EUA levaram tudo o que o dinheiro poderia comprar. Outros países ricos levaram as migalhas. Nós não conseguimos muita coisa.
Nas vacinas, por outro lado, o Brasil surpreendeu.
Qualquer um apostaria que o Brasil ficaria no fim da fila. Antes da África, talvez, porque não somos assim tão pobres. Mas jamais no pelotão de frente.
Surpreendentemente, o que temos? Até hoje, 8 milhões de doses. Talvez pouco se comparado com nossa população. Mas é muitíssimo, se comparamos com a concorrência.
A economia dos EUA é 15 vezes maior que a nossa, e eles tiveram apenas 70 milhões de doses (9 vezes mais).
A China é 10x mais rica, mas teve somente 5x mais doses.
A economia do Reino Unido é o dobro da nossa. Até agora, eles asseguraram pouco mais que o dobro das nossas doses. Um dos principais laboratórios é deles.
A Índia é duas vezes mais rica que o Brasil e teve o dobro de doses. Sendo que eles têm laboratório próprio e nós não temos.
O Brasil recebeu mais doses do que a Itália, Áustria, França, Espanha, Alemanha e México.
É claro que é preciso fazer ajustes pelo tamanho da população para saber quais países estão proporcionalmente melhor. Mas o que eu quero ressaltar é que, para um país de grande população, o Brasil não está mal. Compara-se bem com índia e China e até com os EUA. E somos mais pobres do que eles.
Como isso foi possível?
A vacina equivale a equipamento militar. Lembram quando o Brasil ficou anos negociando para saber qual avião de guerra iria comprar? O governo chegou a anunciar que seria o da França, mas no fim o exército comprou o Gripen, sueco.
Com a vacina é a mesma coisa. O laboratório de um determinado país produz. Mas só pode vender a outros países se o governo do país onde ele está aprovar. De outra forma, a produção é confiscada.
Além disso, a compra não tem sido feita entre empresas, mas diretamente entre um laboratório (seja ele privado ou estatal) e os governos dos outros países. É uma compra oficial, feita pelo governo federal, e sujeita às burocracias de estilo.
A posição do Brasil nesse cenário é de absoluta fragilidade. Nosso câmbio vale pouco, temos pouco dinheiro (pouco para competir com a Europa e América do Norte, pelo menos) e nosso procedimento regulatório é emperrado.
O Brasil foi astuto
Usando as boas relações que tem com a Índia, conseguiu doses de lá.
Usando um pouco da mística dos BRICS e da pouca força de negociação que tem contra a China, também assegurou várias doses da vacina chinesa (aqui, a contribuição do Dória ajudou, pois ele capitaneou o projeto).
Em paralelo, centros de pesquisa em São Paulo e Minas Gerais estão desenvolvendo vacinas próprias que, com sorte, chegarão a tempo de complementar as doses importadas.
Com isso, o Brasil ganhou poder de negociação contra a Pfizer, a fim de tentar contornar as cláusulas contratuais que o laboratório vem impondo a vários países da América Latina.
CONTRATO COM A PFIZER
Eu fiz um outro post sobre as exigências da Pfizer (aqui). Em resumo, o Poder Executivo tem medo de aceitá-las, porque receia que algumas cláusulas precisem de autorização expresso do Congresso, por meio de lei.
As cláusulas mais graves solicitadas pela Pfizer são:
- a) Instituição de garantia (similar ao penhor) sobre bens brasileiros localizados no exterior, que ficarão bloqueados.Esta, mais do que qualquer outra, é problemática. Abrir mãos de ativos não é algo que o Poder Executivo possa fazer livremente.
- b) isenção total de responsabilidade por atrasos na entrega;
- c) isenção total de responsabilidade caso haja efeitos colaterais negativos;
Por que a geopolítica das vacinas é importante?
Os estudos sobre as causas, a mortalidade e o tratamento para o COVID-19 demorarão décadas para serem concluídos.
As estatísticas precisam ser amplamente revisadas, pois cada país adota um critério diferente para o diagnóstico e para a contagem de mortos.
Já a capacidade de obter vacinas é um dado objetivo, imediato e que traz consequências estratégicas e militares.
A China sabe que não conseguiu fornecer tantas doses quanto os EUA. Sem falar que a eficácia da vacina chinesa é, aparentemente, menor.
A quadra de países EUA, Inglaterra, Israel e Índia sabe que conseguiu produzir, fornecer e distribuir as vacinas melhor do que qualquer outro bloco. A Inglaterra, inclusive, conseguiu sonegar vacinas para União Europeia, demonstrando que, neste ponto, sua saída do bloco trouxe benefícios geopolíticos.
O Brasil, mal e mal, conseguiu não passar vergonha, jogando ao mesmo tempo com Índia e China, enquanto tenta negociar com os EUA.
Esses fatos contam como vitórias em campo de batalhas. São inegáveis e muito significativos. Da próxima vez que a ONU vier discutir sobre a capacidade de resposta a pandemias, esses países terão o que dizer. Os outros terão que ouvir.